Audiência pública na Câmara Municipal discute presença de agrotóxicos na água de Cáceres

por imprensa — publicado 11/07/2019 11h35, última modificação 12/07/2019 00h04

Aconteceu na última quinta-feira (4), na Câmara Municipal de Cáceres, uma audiência pública para discutir a presença de agrotóxicos na água do município. 

Ela contou com a presença do Deputado Estadual Lúdio Cabral (PT-MT), convocado após ter divulgado, com base em dados do Ministério da Saúde coletados de 2014 a 2017, a presença de 27 agrotóxicos na água de Cáceres, entre os quais 16 classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) como "extremamente ou altamente tóxicos" e 11 associados ao desenvolvimento de doenças crônicas, como câncer, malformação fetal e disfunções hormonais e reprodutivas. 

Também estiveram presentes a promotora Liana Amélia Chaves, do Ministério Público; Paulo Donizete, diretor da autarquia Águas do Pantanal; Prof. Solange Castrillon, do Instituto Gaia; outros representantes de órgãos e classes populares; e os vereadores Cézare Pastorello (SD), Elza Basto (PSD), Claudio Henrique Donatoni (PSDB), Valdeníria Dutra (PSDB), Wagner Barone (PODEMOS) e Rubens Macedo (PTB).

O vereador Pastorello abriu a audiência citando o estudo que deu origem ao debate: um levantamento do SisÁgua, do Ministério da Saúde, que indicou que os 30 municípios do Estado de Mato Grosso que reportaram seus dados hídricos têm, em seus sistemas hídricos, todos os 27 agrotóxicos monitorados pela ANVISA classificados como potencialmente nocivos à saúde. "É importante citar que todos os 27 estão dentro dos limites nacionais. A questão é se esses limites são seguros. A soma de todos esses agrotóxicos, da forma como existem na água, dá 1300 microgramas por litro (mg/L), mas na União Europeia o limite é de 0,5 mg/L", observou o vereador, informando ainda que 11 dos 27 agrotóxicos são carcinogênicos, ou seja, relacionados ao câncer, e que não há limite seguro para estes elementos.

"O limite do glifosato era de 10 mg/L e a ANVISA subiu para 500. Quando atinge o limite, a ANVISA aumenta. Não podemos nos guiar por esses limites", disse, ao contestar o argumento de que os agrotóxicos da água do município estão dentro dos limites saudáveis para consumo. Pastorello completou sua fala afirmando que a audiência não tem como objetivo responsabilizar a Águas do Pantanal pela situação: "Os agrotóxicos são jogados na fonte, no rio, não nas plantas de tratamento".

O deputado Lúdio Cabral se apresentou como médico sanitarista, com mais de 20 anos de serviço à saúde pública do Estado, e discorreu sobre a os problemas socioeconômicos trazidos pelos agrotóxicos em Mato Grosso. "Não se extrai um centavo de imposto deles. Até os medicamentos pagam impostos, mas os agrotóxicos não. Além disso, o PIB de MT é de R$171 bilhões anuais, com base em dois produtos primários: a soja e o algodão. Eles são responsáveis por 1/3 desse PIB e são totalmente dependentes do agrotóxico, dos interesses da indústria do veneno", disse, relatando também os prejuízos a estudantes e a moradores de assentamentos, que têm de abandonar seus locais quando estes ficam próximos a lavouras nas quais aviões despejam os elementos químicos.

"No nosso Estado, são 64 litros de agrotóxicos consumidos por habitante a cada ano. A média do país é de sete litros. São elementos associados a abortos espontâneos, dificuldades reprodutivas, problemas neurológicos, desenvolvimento de autismo, depressão e câncer", informou o deputado. Em seguida, Lúdio relatou ter apresentado dois projetos de lei na Assembleia Legislativa referentes ao tema: o primeiro proíbe a aplicação de agrotóxicos por avião, e o segundo proíbe isenções de impostos para agrotóxicos. "Estamos trabalhando também na rediscussão dos limites de distância para nascentes de rio, leitos de córrego, escolas, vilas, cidades… Há cidades inteiras rodeadas por agrotóxico. Você vai chegando na cidade e sua respiração muda", disse, relatando ainda avanços na proibição do glifosato e de químicos que matam abelhas.

Lúdio ainda contestou os limites legais estabelecidos pela ANVISA e apontou estes serem 2,6 mil vezes maiores que os limites na União Europeia. Para o parlamentar, a discussão não pode esperar os elementos químicos passarem destes limites. Afirmou, também, que a "bancada do veneno" na Assembleia Legislativa é maioria, mas que a participação popular pode subvertê-la. "Há interesses por trás desses limites, os mesmos que operam na liberação de produtos nocivos no país. Foram 238 agrotóxicos liberados só esse ano. Há até mesmo agrotóxicos contrabandeados, do Paraguai. As tradings da indústria do veneno são um governo paralelo, não pagam um centavo de imposto e destinam toda a nossa produção", concluiu.

A promotora Liana Amélia, do Ministério Público, demonstrou certa preocupação com os dados levantados. Ela explica que, embora os químicos estejam dentro do limite, os exames são feitos de forma individualizada nos elementos. "Não sabemos o dano que eles causam cumulativamente, os 27 atuando no mesmo copo d´água. Precisávamos da presença de produtores rurais e órgãos ambientais aqui, porque a principal ótica trabalhada é a da prevenção, e pra isso temos que envolver todas as camadas afetadas – eles, a saúde, a educação", opinou. Liana ainda relatou que no Estado de Santa Catarina há um foco especial no que diz respeito ao monitoramento contínuo e à divulgação e publicização dos resultados.

"Todos os municípios daqui do Estado precisam informar os dados, não só os 30, e de maneira contínua. É preciso divulgar relatórios de forma mais acessível. Não precisa ser uma linguagem leiga, mas a população precisa entender o efeito de tal agrotóxico na água", afirmou a promotora. Ela também apontou para a necessidade de padronização de resultados pelos laboratórios, e explicou não haver movimento contra o setor produtivo agropecuário. "Não estamos colocando eles como vilões a serem combatidos. Todos os lados precisam ceder um pouco para que a sociedade se sustente. Cáceres se destacou negativamente, mesmo não sendo região de agricultura. Estamos ficando com o prejuízo de uma atividade que pouco desenvolvemos", finalizou.

Para Paulo Donizete, diretor da autarquia Águas do Pantanal, a divulgação do estudo foi feita de maneira irresponsável. Ele relatou análises mensais e informes contínuos à vigilância do Estado, que repassa os dados ao SisÁgua. "Houve erros no relatório deles, como em um elemento em que consta a presença de 100 ou 110mg/L e o resultado real foi 0,1mg/L", explicou, ressaltando ainda que há dados mais recentes do que os que estão sendo discutidos, e que apenas 6 dos 27 agrotóxicos divulgados existem nestes dados, todos dentro dos limites. Paulo citou como exemplo o glifosato, que está em 110 mg/L, enquanto o limite é de 550mg/L.

Para ele, a comunidade europeia tem padrões "muito rígidos". O diretor da autarquia citou países como os Estados Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia, que têm agrotóxicos acima dos limites estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, sem grandes crises ou alarde. "Tenho tranquilidade quanto à qualidade da água de Cáceres. 90% do município é atendido com água tratada, e buscaremos chegar a 98% até o fim da gestão", finalizou.

A Professora Solange, do Instituto Gaia, demonstrou através de slides os prejuízos ecológicos causados pelo uso de agrotóxicos, como o desmatamento e empobrecimento do solo. José Ricardo, agrônomo, explicou que agrotóxicos são lavados pela chuva e vão para lençóis freáticos ou para córregos. "Fico preocupado com a mistura de produtos, porque sozinhos não causam tanto dano, mas juntos há o sinergismo, cujo efeito não temos total conhecimento", declarou.

A vereadora Valdeníria Dutra (PSDB) pediu desculpas ao diretor da Águas do Pantanal por subjugar a autarquia como responsável pela contaminação da água, e pediu ao deputado Lúdio que atente para "os pequenos, a população humilde" na AL, sinalizando pela busca de apoio junto a líderes das zonas rurais e junto às outras Câmaras Municipais. Ela também lamentou a falta de diálogo por parte do Governador Mauro Mendes.

Dois professores do Estado protestaram de maneira geral contra o agronegócio e a "sobreposição de interesses do agro em detrimento do povo", e outro representante do público que se identificou como José Carlos protestou contra uma agropecuária que, segundo ele, se apossou de terras da União e está desviando leitos de rio e jogando agrotóxicos na água. O presidente da Associação de Pescadores Profissionais de Cáceres (APEC), Lourival Alves da Mota, fez coro a este protesto com relatos próprios, e Isaias Bezerra, estudante de Serviço Social, apontou a falta de incentivo do Governo à agricultura familiar como um dos fatores de incentivo ao uso de agrotóxicos. "O pequeno agricultor, que produz alimentos livres de transgênicos, tem dificuldades em expandir essa produção e em chegar aos grandes centros, e a população acaba tendo de se voltar para as grandes empresas, que usam agrotóxicos", explicou. 

O vereador Pastorello ressaltou que as autarquias municipais fazem o monitoramento e contribuem com dados para o SisÁgua, não sendo as diretas responsáveis pela qualidade da mesma, e apontou para a necessidade de legislação estadual que obrigue todos os municípios, e não apenas os 30 que o fizeram, a reportar dados sobre a situação de seus recursos hídricos. "O município de 3 mil habitantes com grande área agricultável pode estar prejudicando nossas bacias tanto quanto Cáceres", afirmou o parlamentar, que ainda sugeriu ao deputado Lúdio Cabral a criação de uma "Câmara Técnica" para a discussão do assunto em escala estadual. O deputado, finalizando a audiência, relatou a realização de uma coleta de assinaturas populares para apoio às suas medidas de tributação diferenciada e proibição de agrotóxicos.

A sessão se encerrou por volta de 22h30.

 

Felipe Deliberaes/Assessoria de Imprensa